Carlos Gerbase expõe "Fotos de cenas" na Galeria Ecarta

[Osvaldo Perrenoud, Márcia do Canto, Rosa Luporini e Angel Palomero em cena da peça School’s Out, nos anos 80s, com parte do elenco do ainda futuro longa metragem Verdes Anos / Foto: Carlos Gerbase]

O PASSADO É VÓRTEX. O FUTURO É UMA FOTO EM PRETO E BRANCO
Por César Fraga
Extra Classe, 12/06/2025

/ De 13 de junho a 13 de julho, a exposição “Fotos de cenas: cinema, música e teatro em Porto Alegre”, reúne na Galeria Ecarta (av João Pessoa 937), imagens capturadas por Carlos Gerbase ao longo de mais de cinco décadas

[Carlos Gerbase começou a fotografar ainda criança, influenciado pelo pai médico (e fotógrafo amador) e por um de seus irmãos mais velhos, Zeca, que tinha um laboratório fotográfico em casa. / Fotos: Carlos Gerbase (esq)/Igor Sperotto (dir)]

Carlos Gerbase já era fotógrafo muito antes de ser um hippie-punk-rajneeesh, cineasta, baterista, crooner, escritor, colunista de jornal e (ufa!) entusiasta do futebol de botão. Em 1974, aos 15 anos, bolou uma fotonovela chamada O Marginal para um trabalho do secundário no Colégio Anchieta. Um ano depois, foi a vez de uma adaptação de Senhora, de José de Alencar. Começou a fotografar ainda criança, influenciado pelo pai médico (e fotógrafo amador) e por um de seus irmãos mais velhos, José Gerbase Filho, o Zeca, que tinha um laboratório fotográfico em casa. E aí vieram os curtas-metragens, os longas, banda, disco, a vida, enfim. De lá para cá não parou mais de clicar. A maioria das imagens foi capturada em salas de ensaio, teatros, bares e casas de espetáculo.

Uma parte do acervo do artista está condensada na exposição fotográfica Fotos de cenas - 50 anos de cinema, teatro e música em Porto Alegre, em que Gerbase oferece um “panorama pessoal” da vida cultural da cidade em que nasceu e cresceu.

São 40 displays 60x60cm, sete 66x96cm e dois displays 80x80cm, além de um adesivo de grandes proporções. Também serão expostos os modelos de câmeras utilizadas pelo artista em sua trajetória, acompanhadas por cópias antigas em papel fotográfico e algumas impressões digitais “vintage”, ilustrando como as diversas tecnologias influenciaram nos produtos finais ao longo do tempo. A exposição ocupará todo o primeiro andar da Galeria Ecarta, na avenida João Pessoa, 937, de 13 de junho a 13 de julho. A abertura ocorre nesta sexta-feira, 13, às 19 horas.

Do sal de prata aos pixels

[Bailei na Curva, Teatro Bourbon Shopping, 2024/ Foto: Carlos Gerbase]

Trata-se de um acervo mais do que autobiográfico, que carrega através das épocas, instantes que poderiam estar perdidos no tempo, não fosse o olhar do replicante apaixonado por arte, linguagem e especialmente pela imagem, os terem imortalizado em nitrato de prata e pixels. São registros de shows, bastidores, bandas, filmagens que começam em tons de cinza granulado do preto no branco das câmeras analógicas até chegar nas imagens em alta definição em colorido digital full HD. Cliques do passado ganham espaço no futuro. E “o futuro é vórtex”, já profetizava o punk oitentista.

“Eu comecei a organizar o meu acervo durante a pandemia. Encontrei alguns negativos antigos que eu nunca havia ampliado para escanear. Aí eu percebi que eu tinha um bom material dos anos 70 e 80. Um tempo depois, veio a ideia de fazer a exposição misturando com as minhas coisas mais novas. Eu fiz muita fotografia de cena do tempo que eu estava na casa de cinema, inclusive de filmes que eu não dirigi. Não tinha tanta coisa assim de teatro, mas tinha muita coisa de música, de rock and roll, principalmente do tempo do bar, onde tinha o selo Vórtex. Muitas fotos de bandas legais que ainda existem e de outras que não existem mais.”

De acordo com o fotógrafo Eduardo Aigner, o Alemão, que é um dos curadores ao lado do jornalista Juarez Fonseca, “a seleção foi feita a partir de mais de 500 fotografias das quais foram selecionadas 175”.

Artistas em seu habitat

[Banda ORTN, de Esteio, uma das pioneiras no punk rock no RS, nos anos 1980 / Foto: Carlos Gerbase]

Centenas de artistas estão representados na exposição. Na música, destaque para Elis Regina (em espetáculo no Teatro Leopoldina), Graforréia Xilarmônica, Jimi Joe, Júpiter Maçã, Os Replicantes e Wander Wildner. Entre os espetáculos de teatro, algumas peças icônicas, como Macunaíma (na famosa versão de Antunes Filho), A Lata de Lixo da História (encenada por Luciano Alabarse), School’s Out (do grupo Vende-se Sonhos) e Bailei na Curva (em montagem recente, dirigida Julio Conte).

No cinema, há um grande desfile de atrizes e atores, tanto gaúchos como de outros estados, que estiveram em dezenas de filmes realizados no Rio Grande do Sul: Maitê Proença, Maria Fernanda Cândido, Werner Schünemann, Luciene Adami, Alice Braga (em sua estreia no cinema), Marcos Breda, Lázaro Ramos, Júlio Andrade, Luana Piovani, Leandra Leal, Camila Pitanga, Pedro Santos, Renato Campão e muitos outros.

Curadoria

“Acabou sendo uma curadoria dupla, porque o Juarez Fonseca é um cara que conhece tudo da história cultural da cidade, do estado, do país e seria capaz de ter uma ideia do que que é que é mais relevante do ponto de vista social, histórico, etc. E o alemão, o Eduardo Eigner, para ser o cara do da qualidade fotográfica. Uma coisa é uma boa foto do ponto de vista jornalístico, histórico, outra coisa é uma boa foto do ponto de vista estético. Então, essa exposição tenta ser as duas coisas”, explica.

No livreto de 16 páginas que apresenta a exposição e que será distribuído ao público, Juarez Fonseca sintetiza: “Gerbase tornou-se o chamado homem dos sete instrumentos - ou mais. Fotógrafo, jornalista, compositor, cantor, baterista, cineasta, professor universitário, contista, romancista - e com esta exposição, pesquisador, historiador”.

Eigner vai além. “Entre a Rolleiflex 3,5E de 1974 e a Rollei Magic de 2024, uma imensidão de luz passou pela lente do Gerbase. Fotografia é o desenho com a luz e esse conceito básico guiaria Carlos pelas múltiplas disciplinas que percorreu em sua já cinquentenária carreira, apresentada e comemorada nessa exposição. Nesse meio século de ofício a tecnologia mudou, novas câmeras e lentes chegaram, trocamos o sal de prata por pixels, o ampliador pelo computador, e seguimos em frente. Para nossa sorte o olhar do autor não mudou, ao contrário: evoluiu e expandiu-se”.

Quem é Carlos Gerbase

Nascido e residente em Porto Alegre, Carlos Gerbase é um nome central na cena cultural gaúcha. Escritor, roteirista, diretor cinematográfico e professor universitário (e sindicalizado ao Sinpro/RS, como sempre gosta de frisar), ele atua há décadas no desenvolvimento do cinema brasileiro, em especial no Rio Grande do Sul.

Gerbase fundou a Invideo Produções Cinematográficas em 1984, junto com Luciana Tomasi, e, em 1987, foi um dos criadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, onde permaneceu como sócio até 2011. No mesmo ano, fundou ao lado de Tomasi a produtora Prana Filmes, da qual é sócio-diretor até hoje.

Formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1980), Gerbase possui doutorado em Comunicação Social pela mesma instituição (2003) e pós-doutorado em Cinema pela Universidade Sorbonne-Nouvelle - Paris III (2010). Atualmente, é professor titular da PUCRS, atuando no Curso Superior de Tecnologia em Produção Audiovisual.

Sua carreira no cinema teve início no final dos anos 1970, quando dirigiu o longa-metragem em super-8 “Inverno” (1983), vencedor do Festival de Gramado na categoria. Em seguida, vieram produções em 35 mm, como o longa “Verdes Anos” (1984) e o premiado curta “Deus Ex-Machina” (1996), que conquistou 11 prêmios em Gramado e uma menção honrosa no Festival de Clermont-Ferrand, na França.

Na ficção, escreveu e dirigiu os longas “Tolerância” (2000), “Sal de Prata” (2005), “3 Efes” (2007), “Menos que Nada” (2012) e “Bio” (2018). Também lançou o documentário “1983 - O Ano Azul” (2009).

Na televisão, assinou roteiros para a Rede Globo, incluindo as minisséries “Memorial de Maria Moura”, “Engraçadinha” e “Luna Caliente”. Dirigiu e roteirizou programas como “O Comprador de Fazendas”, para a série Brava Gente, e episódios como “O Amante Amador” e “Faustina”, para a série Contos de Inverno, da RBS-TV.

Como autor literário, publicou cinco obras de ficção - dois volumes de contos, dois romances e uma coletânea de crônicas -, além de três livros de ensaios sobre cinema.

Desde 2013, passou a integrar o Projeto Primeiro Filme, oferecendo oficinas de capacitação a professores de ensino fundamental e médio, baseadas em seu livro didático “Primeiro Filme: Descobrindo, Fazendo, Pensando”.

No segundo semestre de 2014, Gerbase foi o curador da exposição “Moacyr Scliar, O Centauro do Bom Fim”, que recebeu mais de 100 mil visitantes no Santander Cultural, em Porto Alegre, e foi apontada pela imprensa como um dos principais eventos culturais do ano.

Além de seu trabalho no audiovisual e na literatura, entre 1983 e 2002, Gerbase integrou a banda de rock Os Replicantes, primeiro como baterista e depois como vocalista, lançando cinco discos no período e consolidando-se como uma figura multifacetada da cultura brasileira.