Encerradas as filmagens de MUITO PRAZER

Depois de 5 semanas, terminaram nessa quinta-feira 10 de julho as filmagens do longa-metragem MUITO PRAZER, produção da Casa de Cinema de Porto Alegre com roteiro e direção de Jorge Furtado. O filme é uma comédia romântica sobre os algoritmos do prazer, e tem no elenco principal Luísa Arraes, Daniel de Oliveira e Samantha Jones.


JORGE FURTADO E LUISA ARRAES REVELAM SINTONIA NOS BASTIDORES DE NOVO FILME; LEIA ENTREVISTA
Por Alice Ferraz e Malu Mões
Estadão, 06/07/2025 | 09h00

/ Diretor e atriz, que se conhecem desde o nascimento dela, falam sobre parcerias, afinidades e paixões cinematográficas durante as gravações de Muito Prazer

[Jorge Furtado e Luisa Arraes, no set de ‘Grande Sertão’ e de ‘Muito Prazer’. Foto: Colagem de Thais Barroco sobre fotos de Fábio Rebello e Helena Barreto]

A intimidade e o carinho fraterno entre Jorge Furtado e Luisa Arraes ficam evidentes quando um completa a frase do outro, entre risadas, piadas internas e memórias compartilhadas. Foi nesse clima descontraído - mesmo em meio à correria no set de gravações de Muito Prazer, novo longa em que trabalham juntos - que os dois conversaram com a coluna, sem pressa.

Quando perguntado sobre seus filmes favoritos, a atriz já dispara um “pananaranam”, antecipando de cor a resposta do cineasta. “Ela cantou a trilha de Nós que Nos Amávamos Tanto, do Ettore Scola, o melhor filme que vi na vida - já assisti 30 vezes”, ele comenta. “Eu sou muito apaixonada por Close-up, do Abbas Kiarostami”, ela retribui.

[Luisa diz que se encaixou no “método Jorge Furtado”. Foto: Arquivo Pessoal]

A relação familiar existe porque o diretor conhece Luisa desde que ela nasceu - e porque é próximo de Guel Arraes, pai da atriz, desde antes disso. Mas também revela uma sintonia no jeito de fazer cinema. “A Luísa é muito criativa, contribui muito com a cena. Imagino que, se pega um diretor muito rígido, pode complicar. Mas comigo…”, começa Jorge. “Pois é, eu também acho”, ela responde na hora. E os dois caem na risada.

Ele é o capitão do navio, mas não é um militar, que só manda. As ideias vão surgindo e todos podem sugerir e cocriar. Isso é muito corajoso, porque tem quem chega com tudo preparado e sem brecha. O Jorge adora o imprevisível

[Luisa Arraes]

O primeiro trabalho conjunto foi a peça Pedro Malazarte e a Arara Gigante (2014-2018), seguida do filme Rasga Coração (2018). Depois, veio Grande Sertão (2024) e, agora, Muito Prazer, previsto para 2026. Luisa diz que se encaixou no “método Jorge Furtado”. Ela explica: “Ele é o capitão do navio, mas não é um militar, que só manda. As ideias vão surgindo e todos podem sugerir e cocriar. Isso é muito legal e corajoso, porque tem quem chega com tudo preparado e sem brecha para o imprevisível. O Jorge adora o imprevisível”.

[Luisa Arraes em ‘Grande Sertão’. Foto: Helena Barreto]

Para o diretor, o motivo é simples: o cinema é, por definição, coletivo. “É a única arte obrigatoriamente coletiva, que não se faz sozinho de jeito nenhum”. Ele não mostra apego: “Faço roteiro e depois vamos mudando, os atores chegam e sugerem mil coisas, a equipe agrega - a cenografia, a fotografia, todo mundo contribui com ideia. O enredo cresce nesse clima coletivo”.

Essa tática também tem respaldo teórico. Jorge cita Jacques Lacan - e o princípio atribuído ao psicanalista de “Estude muito, esqueça tudo” - como referência. Para ele, funciona assim: “A gente lê o texto 500 vezes, mas na hora de rodar, a piada cresce”. Ela responde com outra frase, de Picasso: “Se sabemos exatamente o que vamos fazer, para quê fazê-lo?” E resume: “Ensaiamos muito, fazemos muita leitura, mas tem coisas que aparecem na hora. Isso é muito valioso no cinema”.

[Para o diretor, o cinema é, por definição, coletivo. Foto: Fábio Rebelo]

É justamente aí que Jorge enxerga a principal força da parceira. “Ela tem muita energia e milhões de ideias por minuto. Me lembra muito a Fernanda Montenegro e a Torres, porque as duas também são assim. Elas vão fazer uma fala e inventam três maneiras diferentes.”

Luisa tem milhões de ideias por minuto. Me lembra muito a Fernanda Montenegro e a Torres - porque as duas também são assim. Vão fazer uma fala e inventam três maneiras diferentes

[Jorge Furtado]

Ele se lembra de uma cena com Fernandona em que a personagem dizia apenas: “Oi. Não. Entra.” Gravaram uma vez, ficou ótimo. Ela pediu mais uma. “E fez totalmente diferente e eu achei melhor ainda.” Ela quis mais uma opção. Jorge diz que pensou que passaria a tarde inteira gravando “Oi. Não. Entra”. “A Luisa é assim também. Sugere outro jeito, vira a cena, reinventa”, diz, rindo. Horas antes da entrevista, algo parecido aconteceu: ele filmava de novo uma abertura de porta, dessa vez com Luisa. “Se tivesse tempo, a gente ficava três dias só nessa porta”, ela brinca.

[Jorge Furtado, Luisa Arraes e Daniel de Oliveira no set de gravações do novo longa. Foto: Fabio Rebelo]

A nova comédia deles explora a temática de sexualidade em tempos de algoritmo. Produzido pela Casa de Cinema em coprodução com a Globo Filmes, Muito Prazer acompanha a história de um trio - Luisa, Daniel de Oliveira e Samantha Jones - que tenta salvar um motel falido. “Sempre tive muito interesse por pornografia”, diz o diretor, “mais na literatura e no desenho do que com o cinema ou com imagens reais”. Despreocupado com o tabu, aponta que a arte sempre abordou a sexualidade. “Os artefatos artísticos mais antigos que existem preservados na história da humanidade são Vênus, que são eróticas. A humanidade sempre desenhou, cantou, esculpiu o prazer. A sexualidade é uma fonte inesgotável de histórias”.

[Luisa Arraes e Daniel de Oliveira no set de gravações do novo longa. Foto: Fabio Rebelo]

No mundo hiperconectado, o longa vai contra a lógica da inteligência artificial. “O prazer humano é mais interessante do que o algoritmo que te entrega exatamente o que tu acha que gosta. A paixão é ambígua, complexa, variável. A pessoa gosta de uma coisa - e de outra completamente oposta”, explica o cineasta.

As filmagens acontecem em Porto Alegre - escolha que, este ano, adquiriu outro peso. Gaúcho, Jorge viu há um ano sua cidade debaixo d’água. E, agora, uma nova cheia do Guaíba atravessa a produção. “Rodar em Poa é uma forma de resistência, de defender a cidade. Nada mudou. As pessoas continuam desmatando e queimando florestas.”

Rodar em Porto Alegre é uma forma de resistência, de defender a cidade, porque nada mudou. As pessoas continuam desmatando e queimando florestas

[Jorge Furtado]

Durante os quase dois meses de gravação, a dupla ainda encontrou tempo para fazer um verdadeiro mutirão dos novos filmes nacionais: Homem com H, Malu e Ritas estão entre os que assistiram - e elogiaram muito. “Ainda Estou Aqui e Auto da Compadecida 2 furaram bolhas. Fizeram as pessoas se empolgarem com o cinema nacional”, diz Jorge. Ele conta que se surpreendeu com a recepção de seu último longa, Virgínia e Adelaide, que cita Hannah Arendt e fala de psicanálise. “Não é um filme para encher shoppings, mas já está na nona semana em cartaz.”

[Jorge Furtado no set de gravações do novo longa. Foto: Fabio Rebelo]

Com as filmagens encerradas, Jorge mergulha agora na edição de Muito Prazer e já trabalha no roteiro de um novo longa. Luisa, por sua vez, se dedica à captação de recursos para rodar seu curta, A Pedra. O encontro entre os dois segue firme - dentro e fora do set.