UMA EM MIL tem sessão no FRAPA dia 4

FESTIVAL NA CAPITAL EXIBE DE GRAÇA FILME GAÚCHO QUE GANHOU TRÊS KIKITOS E TEM DIRETOR COM DOWN
Ticiano Osório
Zero Hora, 03/11/2025 - 15h30min

/ Os irmãos Jonatas Rubert e Tiago Rubert assinam “Uma em Mil” (2025). Sessão será nesta terça-feira (4), na Sala Paulo Amorim

Um documentário feito em família que aposta na singeleza e na sinceridade para falar sobre síndrome de Down é a atração desta terça-feira (4), às 19h, na Mostra de Longas do 13º Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre, o Frapa.

A sessão de Uma em Mil (2025), escrito e dirigido pelos irmãos Jonatas Rubert e Tiago Rubert, será na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana e tem entrada franca, com retirada de bilhetes por ordem de chegada, a partir das 18h. Depois da exibição, haverá debate mediado pelo cineasta Jorge Furtado.

Produzido em Guaíba, Uma em Mil ganhou três Kikitos na Mostra de Longas Gaúchos do 53º Festival de Cinema de Gramado, em agosto. Venceu nas categorias melhor direção, melhor roteiro e melhor montagem (assinada por Joana Bernardes e Thais Fernandes). No Festival do Rio, em outubro, o documentário recebeu o prêmio de melhor longa-metragem na competição Novos Rumos. O filme também participou do Festival Internacional de Documentários de Munique, o DOK.fest, onde concorreu na categoria All Inclusive.

Jonatas, o irmão mais velho, já havia abordado o tema e retratado a família no filme de animação com fotos A Diferença Entre Mongóis e Mongoloides, que no Festival de Gramado de 2022 conquistou três categorias do Prêmio Assembleia Legislativa de curtas-metragens gaúchos: melhor direção, melhor roteiro e melhor direção de arte (Gabriela Burck).

Em Uma em Mil, ele chamou o irmão caçula, Tiago, que tem síndrome de Down, para dividir a direção. No Festival de Gramado, o filme me contagiou muito antes do início da sessão, por causa da vibração da equipe e da plateia e do senso de comunidade das famílias presentes no Palácio dos Festivais.

-- Obrigado a todos que vieram e à equipe. O festival é nosso! - disse Tiago, que hoje tem 26 anos, no palco.

-- Preparei um texto para não ficar só chorando aqui - contou Jonatas, 35 anos completados em outubro. - Este filme nasceu de um lugar muito simples: o amor pelo meu irmão. O maior privilégio da minha vida foi ter crescido junto com o Tiago e descobrir o mundo com ele. Dirigimos este filme juntos. É a primeira vez que vejo um diretor com síndrome de Down apresentar um filme em festival. É muito bonito, mas também chocante que não seja mais comum.

Ao finalizar seu discurso, Jonatas fez uma dedicatória especial ao pai, já falecido. Foi Irineu que, cerca de 30 anos atrás e sem saber, começou a produção de Uma em Mil, graças a seu hobby de registrar em vídeo o cotidiano familiar.

O título do documentário faz referência à probabilidade de nascer uma criança com a alteração genética - mas não hereditária - no cromossomo 21. A abertura do filme mostra um diálogo entre os dois irmãos, cada um com uma câmera na mão, um filmando o outro. Ainda que Tiago não tenha a mesma fluência verbal de Jonatas, esse jogo coloca os manos em uma condição de iguais.

A conversa gira em torno das diferenças que podem existir entre eles por causa da trissomia 21. Tiago diz algumas coisas que só conseguiu fazer sozinho uma vez, como comprar roupa. Jonatas quer saber se o irmão já trocou uma lâmpada.

Nesse momento, surge em cena a mãe, Giselda. Um pouco constrangida, ela sussurra que não, aludindo ao obstáculo de subir em uma escada. Daí, a montagem assinada por Joana Bernardes e Thais Fernandes resgata imagens de um Tiago ainda bem pequeno subindo até o alto os degraus de uma escada de madeira encostada na parede de casa.

Vídeos antigos também exibem a alegria imensa de Jonatas pela chegada do irmão tão desejado. Mas as lembranças não são só positivas: ao reconstituir a história de Tiago e do Tio Cleber, outro integrante da família com Down, Uma em Mil rememora um tempo no qual havia mais preconceito, estigmas e falta de informação.

Um dos trunfos do documentário é sua atenção a instantes singelos, como quando flagra Tiago ou Tio Cleber raspando a barba. O investimento na simplicidade não impede o surgimento de cenas mágicas, como a linda dança de Tiago na parte final, uma resposta à provocação de Jonatas no início do filme. Somos arrebatados pela combinação dos movimentos fluídos de Tiago com a iluminação do diretor de fotografia Juliano Ferreira Possebon e a trilha musical de Jonts Ferreira e Gustavo Foppa.

A beleza e a leveza dessa cena de expressão artística contrastam com a sinceridade contundente dos depoimentos de passagens anteriores.

A certa altura, Jonatas pergunta para a mãe: se fosse possível modificar o passado, ou seja, fazer com que Tiago nascesse sem Down, ela mudaria? Giselda não titubeia:

-- Mas claro! Eles (as pessoas com Down) sofrem muito preconceito.

Em outro momento reverberante e de provável universalidade, a mãe de Tiago revela tanto o tamanho da sua dedicação quanto sua insegurança quando o filho mais novo vai ficar um mês fora de casa, morando com Jonatas para a produção do filme.

-- A minha vida é cuidar dele.

É um sentimento compartilhado com dona Olinda Dal Ri Puntel, a mãe do Tio Cleber:

-- O dia que eu partir, aí vai ser brabo. Mas Deus dá um jeito. Alguém vai cuidar.