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por Jorge Furtado
em 05 de maio de 2010

Dos 513 deputados federais, 74 - aproximadamente 1 em cada 7 - respondem processos ou investigações criminais. (1)

Estes mesmos deputados aprovaram ontem, por 389 votos a zero, um projeto de lei que torna inelegíveis os cidadão condenados por tribunais. (2)

Disto se conclui:

(a) 1 em cada 7 deputados tem ótimos advogados
(b) 1 em cada 7 deputados não estava em Brasília ontem
(c) 6 em cada 7 deputados acham que o projeto não vai servir para nada
(d) 7 em cada 7 deputados jogam para a platéia
(e) Todas as alternativas acima

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(1) Ao menos um em cada sete deputados federais eleitos que tomam posse em 1º de fevereiro responde a um ou mais processos ou investigações criminais em andamento nos sete tribunais da Justiça Federal do país. Levantamento exclusivo realizado pelo G1 nesses sete tribunais mostra que, dos 513 parlamentares da nova legislatura da Câmara, 74 (quase 15%) têm pendências jurídicas criminais.

http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL2280-5601,00.html

(2) Ou 388 votos a 1, há dúvidas. O Terra diz que o placar foi 388 a 1: “A Câmara dos Deputados aprovou no início da madrugada desta quarta-feira o texto-base do projeto ficha limpa por 388 votos a favor e 1 voto contrário”. Zero Hora diz que a votação foi unânime: “Como fechamento de um dia de votações importantes, a Câmara dos Deputados aprovou nesta madrugada por 389 votos a zero o texto-base do projeto Ficha Limpa, que torna inelegíveis por oito anos os políticos com condenação por um colegiado (mais de um juiz) na Justiça em função de crimes dolosos”.

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Esqueci de bloquear os comentários do último texto e, em consideração aos amigos conhecidos e desconhecidos que escreveram, respondo a todos, ainda que brevemente.


COMENTÁRIOS

Enviado por Maurício do Carmo Ferreira em em 05 de maio de 2010.

Compartilho uma certa preocupação com a justiça deste projeto de lei (não talvez a sua inconstitucionalidade), porém, considero o seu argumento inicial inconsistente (a regra deve ser igual para todos) e um pouco forçada a comparação com a Alemanha, visto serem diferentes as situações. Outro ponto discordante é que, em geral, a moral e os costumes são fonte do direito. É legítimo considerá-los ao se instituir leis ou regras. Além disso, me aparenta uma generalização simples colocar no mesmo balaio os defensores da moral e costumes e os que acham que o país vai de mal a pior.

Meu comentário:

Concordo inteiramente com o final do seu comentário, exagero muito ao afirmar que os que defendem o projeto da “ficha limpa” acham que o Brasil vai de mal a pior, por isso escrevi entre parênteses. Concordo também que a moral e os bons costumes são a base do direito e das leis. A comparação entre os Estados Unidos e a Alemanha é de Chomsky, não minha, está indicado no texto. Não achei forçada, achei boa. Não usei como argumento inicial a idéia de que a regra deve ser igual para todos, embora acredite nisso. Obrigado por escrever.

Enviado por Manu em em 05 de maio de 2010.

Ótimo texto, leva à reflexão. Adorei o blog e os demais textos! Parabéns! Vou indicar no twitter. Abraços

Meu comentário:

Obrigado.

Enviado por diego de godoy em em 05 de maio de 2010.

Pensando melhor (e lendo com menos pressa), o texto é incoerente, Jorge. Primeiro você alega, indiretamente, que o Congresso tem a legitimidade necessária para zelar sobre a moralidade dos atos dos eleitos. Depois, critica uma hipotética decisão deste mesmo Congresso que atenderia a vontade do eleitor que, se não for unânime, foi forte o suficiente para dobrar parte do Legislativo. Ora, se o Legislativo criar a lei, não cabe justamente ao Judiciário segui-la? Onde está escrito que o PJ é quem vai ESCOLHER os candidatos? Ele nada mais fará do que garantir a triagem que o PL estabeleceu sob forte clamor popular. Ou seja, quem decidiu quem pode se candidatar foi o próprio povo, com a implantação de uma lei que só vingou (espero, até lá) porque ficou claro que a tolerância que você está tendo, escorado no seu voto consciente de cidadão privilegiado, não é compartilhada por quase ninguém. Tá certo que dessa forma a pena de morte também seria facilmente implantada. Mas não estamos discutindo o valor da vida, apenas um pouco mais de rigor contra uma classe que já extrapolou muito além da conta a paciência dos cidadãos. E mais: a lei prevê apenas crimes graves. Sem ela, teríamos absurdos muito mais graves do que o teu exemplo inicial, como um prefeito aqui perto de SP ter tomado posse NA CADEIA. O resumo da lei está aqui: http://mcce.org.br/sites/default/files/projeto_sintese.pdf

Meu comentário:

Alô Diego. Meu ponto é que a legislação atual, se cumprida, seria suficiente para coibir abusos e já é responsável por excessos. Do jeito que a legislação já é, cassou-se o mandato de vários governadores, uma atitude extrema. Não questiono a legitimidade do congresso para aprovar a lei, tanto que a aprovaram, por unanimidade. Questiono a necessidade da lei, questiono o tal clamor popular, com a maior cara de clamor da mídia e seus eternos convidados e comentaristas. Questiono se a classe política de hoje é pior que a de outros momentos. E questiono, principalmente, a eficiência de uma lei da “ficha limpa” onde Maluf (que tem a prisão decretada nos EUA e já foi condenado muitas vezes e tem ficha limpa) e José Roberto Arruda (ex-futuro vice de Serra, preso sob a acusação de vários crimes mas tem ficha limpa) podem concorrer, e o prefeito do marcador de livros não pode.

Outra coisa: qual o problema do prefeito tomar posse na cadeia? Quem o prendeu? Porque foi preso? Foi julgado? Condenado? Por quem? Milhares de pessoas são presas, julgadas e condenadas injustamente, todos os dias, ao redor do mundo. No mundo muçulmano mulheres são presas e condenadas por atentado ao pudor por saírem na rua sem a burca. No Brasil há mulheres presas por tentativas de aborto. Quem diz que juízes são mais confiáveis que governadores ou deputados? Não há juízes corruptos? Quem vigia os vigilantes? Grandes homens, Cristo, Maomé, Gandhi, Mandela, Galileu, Sócrates, foram presos, julgados e condenados. Dependendo do juiz, da hora e do lugar, ser preso pode ser uma honraria.

Enviado por Ibanez em em 04 de maio de 2010.

Parabéns Jorge Furtado, muito bom o teu texto! Sobre como os cientistas políticos vêem um represente eleito pelo povo concordo plenamente contigo, é uma hipocrisia, falar do presidente ou governo eleito por voto popular como se ele(a) tivesse chegado lá de forma imposta. Se um representante não esta bem, é culpa do povo que colocou ele lá, é o que acredito, ou pelo menos deveria ser assim pela constituição(“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”). Sobre a ficha limpa, realmente teu raciocínio é válido, contudo penso que por conta da conclusão que vc apresentou: “a sociedade brasileira é incompetente para governar a si mesma.”, acaba sendo válido esse projeto. Infelizmente a sociedade não consegue escolher todos representantes da melhor forma possível. Nessa última eleição muito político com sérios problemas com a lei foi eleito ou reeleito.

Meu comentário:

Obrigado, mas não afirmei que a sociedade brasileira é incompetente para governar a si mesmo, ao contrário. Acho que o voto popular, a longo prazo, aperfeiçoa a democracia. Acho que o fundamental é o eleitor se informar mais e melhor sobre os candidatos, de preferência procurando informações em fontes variadas. Novas lei não vão resolver o problema, eu acho.

Enviado por Igor em 04 de maio de 2010.

Não sei não. Primeiro que o exemplo me parece proselitismo, mas não vou me ater a isso. Mesmo considerando que inocentes seriam excluídos do jogo político, é completamente inegável que um volume expressivo de canalhas que não merecem estar no legislativo e no executivo seriam corretamente excluídos. Matematicamente eu acho que saímos no lucro. Ainda prefiro ter essa lei do que não ter.

Meu comentário:

Obrigado por escrever, mas seu argumento é insustentável. Uma lei que puna inocentes porque eles seriam matematicamente desprezíveis seria fascista.

Enviado por Diego de Godoy em em 04 de maio de 2010.

Eu concordo com todos os argumentos no texto mas, vejam só, discordo do objetivo. É verdade que esse blog, infelizmente, atinge apenas uma ínfima parcela de eleitores de quem se pode cobrar atos cívicos. Mas a lei servirá pra defender o país dos que se deixam engrupir. A ficha limpa é uma medida de emergência, longe de ser uma maravilha que faltava pra coroar nossa bela democracia. Pouco faz pra separar o joio do trigo, mas é um critério mínimo que se impôs. Nem na Noruega os eleitores vigiam seus eleitos o tanto que precisamos. Por isso eu abro mão de um milhão de candidatos bem-intencionados como esse professor, se eles forem tão ingênuos e desinformados. Se não estão preparados pra seguir a lei à risca, teremos que tolerar outros “erros” menos inocentes. Tudo isso em nome de evitar um punhado de bandidos. Vocês escolheriam de bom grado um acusado de desviar verbas públicas pra jantar? Eu não, muito menos pra decidir meu destino. E que os que, infelizmente, são vítimas de ações indevidas, que esperem limpar a barra pra terem vez. Tem que ter um preço. Que se escolha, na falta de critérios mais sólidos ao alcance da população, entre quem tá aparentemente menos atolado. De novo: à luz da razão, concordo com os argumentos, mas acho ainda mais nocivo desmobilizar uma rara unanimidade em torno da ética. Esse texto deveria servir, sim, como alerta do que temos que abrir mão e do sacrifício da democracia que a nossa leniência nos impôs.

Meu comentário:

Acredito firmemente que nunca é nocivo desmobilizar unanimidades, ao contrário, é uma questão de saúde (mental) pública. Não acredito muito em leis como medidas de emergência. E não abro mão de nenhum candidato bem-intencionado, defendo seu direito a um julgamento justo até se esgotarem todas as instâncias, com amplo direito de defesa garantido pelo estado a todos, e não só aos que podem pagar excelentes advogados que mantém suas fichas limpas.

Enviado por Anônimo em 04 de maio de 2010.

Acho que você não ficou sabendo que o texto do projeto foi modificado e somente pessoas já condenadas seriam proibidas de se candidatar.

Meu comentário:

Fiquei sabendo sim, foi modificado até se tornar totalmente inútil e agradar a fúria moralizante e o “clamor popular”, ou seja, os comentaristas políticos e editores de jornais. A prova da inoperância da lei é que foi aprovada por unanimidade.

Enviado por Ana Correa em e04 de maio de 2010.

Muito interessante o post, me fez repensar minhas posições, eu acreditava que o melhor seria a aprovação do projeto de “ficha limpa”, mas vc tem toda razão, vamos dar poder de comando à pessoas que nós nem escolhemos. E concordo contigo, existem bons políticos sim, e é nossa responsabilidade colocá-los nos legislativo e no executivo. Mais uma vez, excelente texto. Abs!!

Meu comentário:

Obrigado.

Enviado por Daniel Moreira de Souza em 04 de maio de 2010.

Texto Genial. Se o tivesse lido há duas semanas atrás, não teria assinado o abaixo assinado da Ficha Limpa. Eu já era seu fã como cineasta, agora sou seu fã como pessoa Abraços Daniel

Meu comentário:

Obrigado

Abri os comentários, só neste post, para quem já escreveu (e eu respondi) continuar a conversa. Como já expliquei um dia desses (no post “Sem comentários”), não tenho tempo para ler e responder os comentários, desculpe.

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