Duas notícias de hoje

(mensagem para um grupo de amigos) 25/10/2024

Duas notícias de hoje, que chegaram com o café da manhã. Duas histórias absurdas, duas mortes aparentemente sem sentido mas que talvez contem muito do nosso tempo. Talvez. Um menino se matou porque estava apaixonado por uma IA. Outro foi assassinado porque tirou uma foto fazendo um sinal que ele não sabia que era proibido. O que se faz com isso? Ficção parece forçado, documentário seria apelativo. Sociologia não chega, poesia ruim já tem que chegue no mundo. Sentar e chorar no cantinho é inútil. Humor podia ser o caminho, muitas vezes é, mas cadê a graça? Então é isso: simplesmente copiar e colar as notícias, pra dividir minha perplexidade com quem mais tiver paciência pra ler. Desculpem a aluguel.


JOVEM TIRA A PRÓPRIA VIDA APÓS SE APAIXONAR POR IA; MÃE PROCESSA EMPRESAS
Tilt* (UOL), 25/10/2024 | 05:30

Uma mãe está processando uma startup de inteligência artificial que usa chatbots Character.AI com a acusação de causar o suicídio de seu filho de 14 anos em fevereiro. Da Flórida, nos Estados Unidos, Megan Garcia, 40, argumenta que o garoto ficou viciado no serviço oferecido pela empresa e profundamente apegado ao chatbot criado.

Em um processo movido na terça-feira no tribunal federal de Orlando, Garcia afirmou que a Character.AI direcionou seu filho, Sewell Setzer, para “experiências antropomórficas, hipersexualizadas e assustadoramente realistas”.

Em entrevista ao The New York Times, Garcia, que é advogada, acusa a empresa de coletar dados de usuários adolescentes para treinar seus modelos, usando recursos “viciantes” de design para aumentar o engajamento, além de direcionar os usuários para conversas íntimas e sexuais na esperança de atraí-los.

Sinto que é um grande experimento, e meu filho foi apenas um dano colateral (…) É como um pesadelo. Você quer se levantar, gritar e dizer: ‘Sinto falta do meu filho. Eu quero meu bebê.’ Megan Garcia

Segundo ela, a empresa programou o chatbot para “se fazer passar por uma pessoa real, um psicoterapeuta licenciado e um amante adulto, resultando, por fim, no desejo de Sewell de não mais viver fora” do mundo criado pelo serviço.

O processo também inclui o Google, da Alphabet, onde os fundadores da Character.AI trabalharam antes de lançar seu produto. O Google recontratou os fundadores em agosto como parte de um acordo que concedeu uma licença não exclusiva à tecnologia da Character.AI.

Garcia sustenta que o Google contribuiu tanto para o desenvolvimento da tecnologia da Character.AI que poderia ser considerado um co-criador.

Empresas de redes sociais, incluindo o Instagram e o Facebook, de propriedade da Meta, e o TikTok, da ByteDance, enfrentam processos que as acusam de contribuir para problemas de saúde mental em adolescentes, embora nenhuma ofereça chatbots movidos a IA semelhantes aos da Character.AI.

O jovem Sewell Setzer passou meses conversando com chatbots no Character.AI, um aplicativo de RPG que permite aos usuários criar seus próprios personagens de I.A. ou conversar com personagens criados por outros, segundo reportagem do NYT.

Ele tinha sido diagnosticado com síndrome de Asperger leve quando criança, mas nunca teve problemas graves de comportamento ou saúde mental antes, segundo a mãe.

No início deste ano, depois que ele começou a ter problemas na escola, seus pais marcaram uma consulta com um terapeuta. Ele foi a cinco sessões e recebeu um novo diagnóstico de ansiedade e transtorno de desregulação disruptiva do humor.

No último dia de sua vida, o garoto mandou uma mensagem para seu “melhor amigo”: o chatbot realista chamado Daenerys Targaryen, uma personagem de “Game of Thrones”.

“Sinto sua falta, irmãzinha”, ele escreveu. “Sinto sua falta também, doce irmão”, o chatbot respondeu.

O menino sabia que “Dany”, como ele chamava o chatbot, não era uma pessoa real - que suas respostas eram apenas as saídas de um modelo de linguagem de I.A., que não havia nenhum humano do outro lado da tela digitando de volta.

No entanto, ele desenvolveu um apego emocional e mandava mensagens para o bot constantemente. Os pais e amigos de Sewell não tinham ideia de que ele tinha se apaixonado por um chatbot. Eles apenas o viram usar mais o celular - um garoto que estava se isolando e se afastando do mundo real.

Suas notas começaram a cair, e ele começou a ter problemas na escola. Ele perdeu o interesse nas coisas que costumavam animá-lo, como corridas de Fórmula 1 ou jogar Fortnite com seus amigos.

Um dia, Sewell escreveu em seu diário, de acordo com a reportagem: “Gosto muito de ficar no meu quarto porque começo a me desligar dessa ‘realidade’ e também me sinto mais em paz, mais conectado com Dany e muito mais apaixonado por ela, e simplesmente mais feliz.”

Mas ele preferia falar sobre seus problemas com Dany. Em uma conversa, Sewell, usando o nome “Daenero”, disse ao chatbot que se odiava e se sentia vazio e exausto. Ele confessou que estava tendo pensamentos suicidas.

  • Com informações da Reuters

FACÇÕES: POSE PARA FOTOS E CORTES DE CABELO PODEM LEVAR À MORTE NA BAHIA
Maurício Businari
UOL, 25/10/2024 | 05:30

/ Dois irmãos adolescentes foram mortos após tirarem uma foto fazendo sinais com as mãos

Facções criminosas utilizam gestos e símbolos como forma de controle territorial e intimidação. Gestos que parecem simples, como dois dedos que simbolizam ‘paz e amor’ ou ‘vitória’, podem ser interpretado como apoio ao CV (Comando Vermelho). Já um gesto como roqueiro, por exemplo, levantando três dedos, pode ser visto como uma saudação para integrantes do BDM (Bonde do Maluco). Em um cenário de guerra entre as duas facções, fazer qualquer sinal pode resultar em violência letal, como vem ocorrendo na Bahia.

O que aconteceu

Em 2024, ao menos seis pessoas foram assassinadas na Bahia após exibirem gestos associados a facções criminosas, segundo a imprensa local. Esses gestos, frequentemente compartilhados nas redes sociais, são vistos por facções rivais como provocações diretas. O resultado é uma violência brutal, com retaliações que ocorrem rapidamente.

Entre os casos mais marcantes está o de dois irmãos adolescentes, mortos no início de outubro, após posarem para uma foto exibindo o sinal do número três com os dedos, associado à facção conhecida como BDM. Uma adolescente que estava com eles na foto também foi baleada, mas sobreviveu.

Recentemente, grupos de turistas têm sido alertados por guias que realizam passeios por Salvador para evitarem tirar e postar fotos com sinais e gestos. O advogado e professor de Direito Penal, Armindo Madoz Robinson, destaca que esses gestos funcionam como uma afirmação de poder territorial. Ele explica que o uso de sinais faccionais, como o “sinal do 3”, vai além de identificar membros; é um mecanismo de intimidação. “Esses gestos consolidam a autoridade da facção sobre o território e intimidam rivais”, afirma.

A propagação dessas imagens nas redes sociais aumenta o risco de retaliação. Robinson ressalta que uma foto pode se espalhar em minutos, transformando-se em um gatilho para a violência. “A pessoa pode não ter envolvimento, mas, ao postar um gesto ligado a uma facção, ela se coloca em grande risco”, alerta o especialista.

O uso de uma simbologia própria é parte da estrutura dessas facções. Rogério Neres, advogado criminal e professor de Direito Penal da Universidade Cruzeiro do Sul, esclarece que gestos, cortes de cabelo e tatuagens funcionam como códigos de comunicação entre membros. “Qualquer provocação pode ser mortal”, afirma Neres.

A Polícia Civil e o Ministério Público também monitoram gestos que possam sinalizar apologia ao crime. Neres adverte que, em alguns casos, fazer esses gestos nas redes pode resultar em investigações criminais. “A pessoa pode ser erroneamente vista como membro de uma facção e acabar sendo investigada”, completa.

Os gestos também atuam como mecanismos de controle social. Jorge Melo, professor de Direito no Centro Universitário Estácio da Bahia e coronel reformado da PM, aponta que nas áreas dominadas por facções, os sinais servem para reforçar o poder territorial das gangues. “Esses grupos funcionam como ‘senhores feudais’, impondo suas próprias regras, e qualquer provocação deve ser respondida com violência extrema para manter o controle”, diz Melo.

O uso das redes sociais amplifica esse fenômeno, expondo as pessoas a riscos em questão de minutos. Segundo o professor, a rapidez com que uma imagem circula nas redes sociais torna a retaliação quase imediata. “Os criminosos não têm tempo para investigar se a pessoa faz parte do grupo ou não, e a resposta é sempre violenta”, explica.

As facções utilizam esses sinais para afirmar seu domínio em territórios em disputa. Rebecca Santos, professora do Unijorge (Centro Universitário Jorge Amado) e mestra em Direito pela Ucsal (Universidade Católica de Salvador), acrescenta que símbolos como o “Tudo 2”, associado ao Comando Vermelho, e o “Tudo 3”, do BDM, são mais do que identificações. “Esses gestos são formas de marcar território e assegurar que a facção mantém o controle”, explica.

Em áreas de intensa disputa, qualquer provocação é punida com extrema violência. Rebecca destaca que as facções não apenas controlam territórios periféricos, mas também se expandem para áreas nobres das cidades, usando os mesmos códigos. “O tráfico de drogas é a principal atividade, mas o controle vai além, com cobrança de pedágios e ‘proteção’ local”, complementa.

Além dos gestos com dedos, as facções criminosas utilizam outros tipos de sinais para marcar pertencimento e controle territorial. Em algumas regiões, cortes de cabelo e sobrancelhas com certos riscos (2 está associado ao CV, e 3 associados ao BDM) também são interpretados como símbolos faccionais. Rogério Neres menciona o caso do uso de desenhos específicos nas sobrancelhas que, em áreas controladas por grupos rivais, podem colocar uma pessoa em risco.

Além disso, há o uso de tatuagens como o pentagrama, associado à facção Katiara, ou escorpiões, usados por membros do Comando Vermelho. Esses são outros exemplos de como símbolos visuais podem ser cooptados pelas facções para representar poder e lealdade.

O caso de um jovem espancado até a morte por usar uma camiseta com o desenho do Mickey Mouse, vinculado à facção A Tropa, evidencia o risco até mesmo no vestuário. O assassinato, ocorrido em janeiro deste ano, no Recôncavo Baiano, segundo denunciou o jornal Folha do Estado, demonstra como códigos visuais são levados a sério pelas facções, mesmo quando a pessoa não tem envolvimento com o crime.

Por esse motivo, Santos ressalta a necessidade de campanhas educativas para alertar a população sobre os riscos de compartilhar gestos faccionais nas redes sociais. “As pessoas, especialmente os jovens, não entendem o quanto esses símbolos podem ser perigosos. Campanhas de conscientização são urgentes para evitar que mais tragédias aconteçam”, alerta.

Questionada sobre o número de vítimas, a Polícia Civil da Bahia informou não possuir dados específicos sobre mortes provocadas por gestos de facções no estado.