PARA LER E RELER
Giba Assis Brasil
Revista Parêntese nº 292, 06/09/2025
No tempo em que a internet não mordia, eu cheguei a ficar conhecido em alguns grupos de e-mails como “especialista” numa das questões mais prementes da época: tal texto circulando na lista e assinado “Luis Fernando Verissimo” foi ou não escrito pelo Luis Fernando Verissimo? A resposta, infelizmente, era quase sempre não. E quase sempre tinha um colega que perguntava: “Como tu pode ter certeza? Tu leu tudo que ele escreveu?”
Realmente, acompanhar tudo o que o Verissimo publicava era uma das minhas tarefas de vida, desde que, ainda na adolescência, eu descobri “O popular” e pensei: é esse tipo de texto que eu quero ler quando crescer. Tarefa essa impossível de cumprir, dado o fôlego do cara: não bastava eu comprar um livro por ano na Feira e acompanhar as colunas na grande imprensa, sempre aparecia um Verissimo inédito numa revista de variedades, num jornal de bairro, num boletim de sindicato. E sempre engraçado sem ser apelativo, inteligente sem ser pretensioso, humano sem ser moralista - e acima de tudo, e surpreendentemente: simples.
Mas a minha resposta pro colega desconfiado era outra: é que era fácil desmascarar a maioria dos falsos Verissimos pela presença de preconceitos ou de clichês - nos escritos do vero Verissimo, se tem algum preconceito, é do personagem real ou fictício que ele está expondo; se tem algum clichê, é porque faz parte da piada.
E os supostos verissimos nunca sabiam manejar direito aquele truque de estilo que quem primeiro me descreveu foi o amigo e cineasta Hélio Alvarez: Verissimo é o Garrincha do texto. A gente conhece o drible, sabe que ele vai acontecer e chega a pensar que sabe quando, mas de repente a gente está sentado no chão, e ele com a bola, em direção ao gol. Tão simples que todo mundo pensa que consegue fazer igual, e foi assim que a internet e o mundo analógico se encheram de falsos verissimos e falsos ponteiros, que afinal de contas servem pra nos mostrar como são bons os originais.
Mas uma vez o colega incrédulo veio com uma boa tréplica: “O Verissimo podia ter escrito esse texto num mau dia.” E é verdade. Eu fui obrigado a admitir que mesmo o Verissimo não podia acertar todas. Ainda espero por esse mau dia. Ou melhor: meu colega descrente espera. Ou pior: o mau dia veio, e foi quando Luis Fernando Verissimo parou de escrever.
Que ele descanse em paz. O bom pra nós é que ainda tem muito Verissimo pra ler e reler.