Nunca real e sempre verdadeiro

“Nunca real e sempre verdadeiro”.

Se um dia eu tivesse que escolher uma tatuagem ou um lema para bordar na bandeira do país dos artistas, escolheria esta frase de Antonin Artaud, que fica ainda mais bonita em francês: “Jamais réel et toujours vrai”.

Li a frase como epígrafe ou citação em algum romance ou poema, me acompanha desde então, os versos são “braceletes de encantamento vocal”. De vez em quando, procurava a origem da frase de Artaud em alguns de seus poemas, peças, cartas ou artigos, mas conheço pouco a sua obra, nunca encontrei. Até hoje de manhã, e não podia estar em lugar melhor e em melhor companhia.

A frase está no alto de um desenho de Artaud, de 1945, escrita de próprio punho, a lápis. É um primeiro verso - e nem precisava de um segundo - de um poema que se completa com uma frase ao pé da folha: “Jamais réel et toujours vrai, non pas de l’art, mais de la ra-tée du Soudan et du Dahomey”. (“Nunca real e sempre verdadeiro, não a arte, mas o fracasso do Sudão e do Daomé.”) Em francês, tem rima: vrai-Dahomey.

Os desenhos de Artaud, um surrealista de carteirinha, parecem garatujas que se produzem livremente enquanto se trabalha ou conversa ao telefone, doodles, formas aparentemente sem compromissos com o universo do real. Sem saber de sua origem nem que fazia parte de um poema, achei que “nunca real e sempre verdadeira” era uma boa definição da arte, ou do que ela deveria ser. Gostei de saber que Artaud também pensou na arte.

Jacques Derrida escreveu que a frase “não a arte, mas o fracasso do Sudão e do Daomé” interpreta a frase superior “Nunca real e sempre verdadeiro”. O que nunca é real e sempre verdadeiro? Talvez o feitiço, a magia, o exorcismo, aludidos no desenho - mas talvez também a arte, esse fracasso desajeitado ao qual Artaud recorre no modo de desenhar”.